domingo, 5 de setembro de 2010

TIPO ASSIM... UM PROFESSOR!

por Epitácio Macário

Veríssimo, o Luís Fernando, que me perdoe. É que, ao ler sua crônica, não me contive. Peguei o notebook para escrever sobre o último semestre letivo e a expressão que vinha à mente era sempre a que ele usou. Tipo assim... uma cópia!

Há dias sentia uma dorzinha, destas que não se sabe onde nasce, que percorria as costas, prolongava-se pelo ombro e descia até o braço. Ainda bem que não era o esquerdo!... O laudo da ressonância magnética indicou a existência de protrusões discais posteriores, de C3 a C7, comprimindo a face anterior dural. Ou seja, uma dor medonha nas costas!

Mesmo assim, não larguei o batente, afinal 120 avaliações deveriam ser corrigidas e os mapas de notas, preenchidos. E como qualquer filho de deus, queria saborear o frescor da primeira madrugada de recesso sem a imagem daqueles quadrículos dos diários esculpida na mente. E ainda com maior ansiedade, almejava não ouvir os arrastares de cadeiras dos jovens estudantes que sabem – mais que todos os outros seres humanos – que filosofia não tem mais nenhuma serventia...

Depois de encarar por um instante a pilha, arrastei o trabalho do meio. Como me surpreendi em face da argumentação lógica com laivos de erudição vocabular! O texto esnobava na fundamentação, invocando Hegel, Schiller e que tais; chegava mesmo a desfechar seguros julgamentos de Los lunes ao sol – filme de Fernando León de Aranoa sugerido como objeto de reflexão – como obra do realismo crítico por condensar, nos tipos escolhidos, todo o drama da vida social contemporânea; a desefetivação do homem em favor de uma efemeridade reificada – e aqui recorria a Georg Lukács, o filósofo magiar.

Os sete trabalhos posteriores deixavam a mesma impressão, ainda que alguns exibissem cortes drásticos e descontinuidades. Noutros, notavam-se certos gaguejos e tropeços. Mas as idéias, tão profundas e dolorosamente humanas, superavam os cacoetes das escrituras que mais pareciam... tipo assim... um mosaico.

Estes textos, que nos fazem voar, intercalavam-se com outros mais descritivos e solenemente magnânimos na superficialidade, quase que mera reposição do enredo fílmico. Até que tropecei nalguns inescrupulosamente corajosos na defesa do status quo – este mundo ralo e áspero do capitalismo contemporâneo onde se desenrolam as tragédias dos cinco desempregados de Aranoa. Sem nenhuma agudeza, ambos denotavam certa indiferença em face de uma realidade... tipo assim... real. Aqui e acolá, um e outro exprimiam sinceros repúdios às mazelas da contemporaneidade, defendendo outro mundo... tipo... mais humano.

Ao ler este último lote, era como se os rostos porcelanas de todas as manhãs surgissem das letras, das linhas, do movimento textual. Eram eles, tinha certeza! “Ainda não estou esquizofrênico; sei que são eles”! E os primeiros, quem eram?

Recorri à entidade primeiro lugar em consultas nos últimos tempos, fornecendo as frases mais esdrúxulas – aquelas expressões filosóficas que, hoje, não têm nenhuma serventia!? Colhi do Google, em PDF, um profundo ensaio sobre arte e sociedade. Tipo assim... encontrei a matriz que dera cria a uma filial, que fora cuidadosamente esquartejada e remontada, originando os textos mosaicos. “Não é que filosofia ainda era útil”!

Na sexta, devolvi os trabalhos. Até o vigésimo, colhi expressões cordiais porque estavam liberados. Os 19 restantes sentiram-se profundamente ofendidos com a palavra “fraude” no lugar da nota. Uma jovem bem formada e de boa família chegou mesmo a soluçar: “professor... o senhor é mesmo... tipo assim... foda!” E chorou copiosamente, usurpando a solidariedade dos demais.

A cena provocou protrusões posteriores em minha consciência, somando-se às hérnias de disco. Depois de muito refletir, concluí que agi daquela forma porque sou... tipo assim... um professor.


Para Teixeira e Thiago Chagas. Dois professores.

Pela seriedade e compromisso com o mundo.

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