Epitácio Macário
Era
sábado. Acordei com um sabor metálico na boca; uma secura infernal; o mundo
ainda rodava. Na noite anterior, tinha bebido mais que o necessário para
esquecer. Só caí em mim na hora de pagar a conta porque o garçom insistiu em me
lembrar. Ainda latejava na mente aquele sentimentozinho de imprestável,
descartável, cachorro vira lata quando não tem mais nenhuma lata para virar na
rua.
Quando
liguei o PC, lá estava uma mensagem remetida por: Vidência online. Assunto:
Epitácio, sua vida vai mudar depois de ler essa mensagem.
Hesitei...
Materialista
de carteirinha e agnóstico, desses que não reconhecem nenhum passo além daqueles
dados por Galileu, Newton e Einstein na Física Moderna, conjecturei: “será
spam?”; “abro?”; “astrologia?!”.
No
mais profundo do meu íntimo, ou, como diria Camilinha, lá no centro do fígado,
duelavam o senso comum e a cientificidade, ou, nas palavras da
mesma jovem pensadora, o Tico e o Teco.
Abri.
A
mensagem encheu a tela: “Mude sua vida agora mesmo. Responda às perguntas espontaneamente,
sem pensar muito; seja direto e objetivo. Depois clique em enviar”.
As
perguntas eram gerais do tipo: “você se sente feliz?”, “sofreu perda recente”?,
“sente-se traído?”. Ao todo, preenchi uns cinqüenta quadrinhos entre sim, não e
mais ou menos. E enviei.
Uma
mensagem piscou solicitando o número do telefone fixo. Encarei o monitor com
aquele olhar de viés, como que fazendo pontaria, e tomei distância do objeto,
como os sociólogos. De novo, um duelo interno entre objetividade e
subjetividade. De fato, não estava em condições de decidir. “Mas, não faz mal
nenhum. Afinal, estou até me sentindo melhor por falar de mim... online!”,
pensei.
Ao
enviar o número, uma janela se abre com a mensagem: “Obrigado por nos deixar
ajudá-lo nesse momento difícil. A consulta será debitada em sua conta
telefônica. Em meia hora, a vidente Ana Conda disponibilizará o prognóstico”.
Foi
o tempo de ir à cozinha, tomar um café com bastante açúcar e esvaziar duas
garrafas d’água da geladeira.
De
volta, lá estava a mensagem na caixa de e-mail:
“Senhor
Epitácio. Os momentos difíceis põem sob prova o caráter do homem. No seu caso,
será necessário mobilizar vigor moral, coragem e resiliência para superar a situação.
A humildade em assumir parte da culpa pelo acontecido é prova de honra de sua
parte. A traição é, de fato, algo doloroso e até dramático para os homens. Mas
não desespere, pois nada é irreversível. Seu intenso desejo de voltar a
situação de antes é prova indelével do amor mais sincero e puro. Por isso não o
deixe esvair-se nas labaredas do ressentimento. Em futuro breve, sua amada retornará
aos seus braços, se por isso lutar”.
Na
sexta, eu tinha sido demitido.
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