sexta-feira, 14 de outubro de 2011

DILEMAS

Epitácio Macário
 

Era sábado. Acordei com um sabor metálico na boca; uma secura infernal; o mundo ainda rodava. Na noite anterior, tinha bebido mais que o necessário para esquecer. Só caí em mim na hora de pagar a conta porque o garçom insistiu em me lembrar. Ainda latejava na mente aquele sentimentozinho de imprestável, descartável, cachorro vira lata quando não tem mais nenhuma lata para virar na rua.

Quando liguei o PC, lá estava uma mensagem remetida por: Vidência online. Assunto: Epitácio, sua vida vai mudar depois de ler essa mensagem.
Hesitei...
Materialista de carteirinha e agnóstico, desses que não reconhecem nenhum passo além daqueles dados por Galileu, Newton e Einstein na Física Moderna, conjecturei: “será spam?”; “abro?”; “astrologia?!”.
No mais profundo do meu íntimo, ou, como diria Camilinha, lá no centro do fígado, duelavam o senso comum e a cientificidade, ou, nas palavras da mesma jovem pensadora, o Tico e o Teco.
Abri.
A mensagem encheu a tela: “Mude sua vida agora mesmo. Responda às perguntas espontaneamente, sem pensar muito; seja direto e objetivo. Depois clique em enviar”.
As perguntas eram gerais do tipo: “você se sente feliz?”, “sofreu perda recente”?, “sente-se traído?”. Ao todo, preenchi uns cinqüenta quadrinhos entre sim, não e mais ou menos. E enviei.
Uma mensagem piscou solicitando o número do telefone fixo. Encarei o monitor com aquele olhar de viés, como que fazendo pontaria, e tomei distância do objeto, como os sociólogos. De novo, um duelo interno entre objetividade e subjetividade. De fato, não estava em condições de decidir. “Mas, não faz mal nenhum. Afinal, estou até me sentindo melhor por falar de mim... online!”, pensei.
Ao enviar o número, uma janela se abre com a mensagem: “Obrigado por nos deixar ajudá-lo nesse momento difícil. A consulta será debitada em sua conta telefônica. Em meia hora, a vidente Ana Conda disponibilizará o prognóstico”.
Foi o tempo de ir à cozinha, tomar um café com bastante açúcar e esvaziar duas garrafas d’água da geladeira.
De volta, lá estava a mensagem na caixa de e-mail:
“Senhor Epitácio. Os momentos difíceis põem sob prova o caráter do homem. No seu caso, será necessário mobilizar vigor moral, coragem e resiliência para superar a situação. A humildade em assumir parte da culpa pelo acontecido é prova de honra de sua parte. A traição é, de fato, algo doloroso e até dramático para os homens. Mas não desespere, pois nada é irreversível. Seu intenso desejo de voltar a situação de antes é prova indelével do amor mais sincero e puro. Por isso não o deixe esvair-se nas labaredas do ressentimento. Em futuro breve, sua amada retornará aos seus braços, se por isso lutar”.
             Na sexta, eu tinha sido demitido.

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